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Catástrofes climáticas e contratos de franquia: suspensão do pagamento de royalties em situações extraordinárias

 

Os contratos de franquia empresarial são instrumentos complexos que regulam a relação entre franqueadores e franqueados, estabelecendo direitos e deveres para ambas as partes. Nessa relação, a empresa franqueadora cede o uso da sua marca e presta suporte ao franqueado. Como contraprestação, geralmente, o franqueado paga algumas taxas periódicas para remunerar a franqueadora, sendo a principal delas os royalties, mas podendo existir ainda outras, como as taxas de marketing e propaganda.

Para formalizar essa relação jurídica, como dito, é necessária a pactuação de um contrato de franquia, no qual constarão as diretrizes da relação empresarial. Diferentemente de contratos gerais, antes da celebração do contrato, a Lei de Franquias (Lei nº 13.966/19) ainda exige que o franqueador apresente ao candidato a franqueado a Circular de Oferta de Franquia (COF), que se trata de um documento informativo, com uma série de dados e informações do negócio.

Diante de tal contexto, fica evidente que, ao ingressar em uma relação de franquia empresarial, o franqueado – que também se reveste da figura de empresário -, além de considerar o cenário mercadológico e econômico do seu segmento naquele momento, igualmente leva em consideração as características específicas da franquia a ser implementada.

Pois bem, muito embora a legislação civil e comercial brasileira privilegie a autonomia da vontade entre as partes, o próprio Código Civil de 2002 tratou de estabelecer a necessidade de observação da função social, da boa-fé e da igualdade material das partes contratantes quando da celebração de um contrato, o que ficou consubstanciado na positivação de normas que permitem a revisão do pacto contratual quando se percebe rompimento das bases negociais em que o contrato foi celebrado. As referidas normas são chamadas de cláusulas gerais, as quais justamente visam harmonizar a utilização da propriedade privada com o bem-estar social.

 

 

Exemplos claros de cláusulas gerais são as normas previstas nos artigos 113, 317, 421, 422, 478 e 884, do Código Civil, nas quais o legislador procura conciliar a utilização dos contratos com a boa-fé, a observação da função social, a equivalência material das prestações, e o equilíbrio contratual, vedando-se o enriquecimento sem causa. São esses fatores que flexibilizam um dos princípios clássicos do Direito Contratual, o “pacta sunt servanda” (acordos devem ser cumpridos), possibilitando, inclusive, em casos extremos, a intervenção judicial nos contratos.

É com base nessas cláusulas que, sobrevindo alguma situação extraordinária que desequilibre a relação jurídica, o contrato inicialmente firmado poderá, ou deverá, ser renegociado, ainda que temporariamente, a fim de restabelecer o seu equilíbrio e atender às diretrizes das normas gerais do Direito Contratual. Exemplos clássicos de fatos extraordinários são os eventos climáticos (enchentes, furacões…), a ocorrência de guerras ou, recentemente, pandemias, como a de Covid-19.

No caso específico das franquias, conforme referido, trata-se de contrato caracterizado pela existência de pagamentos periódicos por parte do franqueado ao franqueador, notadamente em relação aos royalties. Com efeito, exsurgindo situação extraordinária e inesperada, como são os casos das enchentes e inundações, que comprometa a operação da unidade, é possível buscar a repactuação do contrato, justamente com base nas normais gerais de Direito Contratual, ainda que não haja previsão contratual expressa nesse sentido.

Os fundamentos jurídicos para uma suspensão ou até mesmo isenção do pagamento de royalties e taxas à franqueadora podem se classificar nos seguintes:

 

  • Teoria da Imprevisão e da Onerosidade Excessiva: Baseada no artigo 317 do Código Civil, a teoria da imprevisão permite a revisão ou rescisão do contrato quando fatos imprevisíveis e extraordinários alterem o contrato de forma excessivamente onerosa para uma das partes, como no caso de eventos naturais que comprometam a operação da unidade franqueada.
  • Caso Fortuito e Força Maior: Nos termos do artigo 393 do Código Civil Brasileiro, a ocorrência de eventos como enchentes e inundações pode caracterizar caso fortuito ou de força maior, eximindo as partes de cumprirem suas obrigações contratuais, incluindo o pagamento de royalties.
  • Princípio da Boa-fé: Em conformidade com o artigo 422 do Código Civil, as partes devem agir com probidade e boa-fé. Assim, a isenção do pagamento de royalties e outras taxas em casos de eventos extraordinários pode ser vista como uma manifestação desse princípio, garantindo a manutenção do equilíbrio contratual.

 

Sob o aspecto prático, é recomendável que, antes do inadimplemento, o franqueado observe algumas medidas, visando manter a transparência e a sua boa-fé contratual:

 

  • Comunicação: O franqueado deve comunicar imediatamente o franqueador sobre eventual situação extraordinária e inesperada, causa não seja um fato notório e de grande extensão, detalhando os danos causados e solicitando a suspensão temporária do pagamento de royalties.
  • Documentação: É essencial manter registros detalhados dos danos causados pelo evento extraordinário, como fotos, relatórios de danos e documentos de seguro.
  • Acordo por Escrito: Qualquer acordo para a suspensão temporária das obrigações contratuais deve ser formalizado por escrito, especificando as condições e prazos para eventual retomada dos pagamentos. Se for o caso de rescisão contratual, o meio adequado será um distrato, com a disposição dos motivos e os eventuais afastamentos de cláusulas penais, ou seja, de multas aplicáveis a quem der causa à rescisão.

 

 

Portanto, de todo o exposto, conclui-se que a suspensão ou isenção do pagamento de taxas periódicas do franqueado ao franqueador, em hipóteses de eventos extraordinários como as de desastres naturais, encontra amparo na legislação civil brasileira, notadamente a partir dos institutos da Teoria da Imprevisão, da Onerosidade Excessiva e da configuração de Caso Fortuito ou Força Maior.

Com efeito, ainda que um contrato de franquia não preveja expressamente essa possibilidade, caso não haja iniciativa por parte do próprio franqueador, o franqueado possui embasamento jurídico para buscar a renegociação das suas obrigações contratuais, ainda que de forma temporária, ou até mesmo a rescisão contratual, sem incidência das penalidades contratuais.

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Autor: Ricardo Dalla Roza Schiavo (OAB/RS 94.291 | OAB/SC 55.421-A).

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